terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Crítica sobre o filme” Um lugar ao sol”.

Longa apresentado na 13a mostra de cinema em Tiradentes.

É um texto um pouco longo porém sua análise daria um livro e não há como resumir pois preciso explicar um pouco do filme ja que ninguém viu.


É um filme documentário que entrevista moradores de coberturas de alto luxo em 3 capitais brasileiras. O diretor alega que de 195 coberturas apenas 9 aceitaram submeter-se à entrevista. Diante disso o que foi visto foi algo que para a maioria beira ao bizarro. Pessoas expressando opiniões completamente caricatas e estereotipadas que não se imaginava que fossem verbalizadas mas apenas pensadas.

A reação do público foi de se esperar mas não menos impressionante. As pessoas riam perplexas com os comentários dos personagens. Basicamente, as pessoas falavam de como era bom morar em cobertura e como aquilo ás preenchiam. Durante o filme não aparece as perguntas feitas pelo entrevistador, mas da a entender que sejam “Como você se sente morando numa cobertura ou como é morar numa cobertura”. É um filme, querendo ou não, altamente tendencioso e a conclusão natural que se chega é:
_São pessoas bitoladas, mesquinhas, ingênuas, com complexo de superioridade e sem noção da realidade miserável que as cercam. Salvo algumas exceções, onde é dito pequenas coisas politicamente corretas. Estranhou-me bastante também certa ingenuidade dos entrevistados em alguns aspectos e até na expectativa de que o filme fosse usado a favor deles e não contra. Daí fica a dúvida se teve alguma maldade na produção e edição do filme. Entre as entrevistas o produtor tenta, de forma sutil, estabelecer um contraste entre esses moradores e os pobres. O que é aceitável tendo em vista que é criado um vilão na estória, sendo importante uma ênfase nesse contraste para uma conclusão convincente.

Um detalhe que pesa no viés tendencioso é quem é o produtor. 21 anos recém universitário, classe média baixa, de recife, cidade marcada pela forte expressão cultural, violência, enorme desigualdade social, receita certa para uma influência de esquerda e socialista. Ele mesmo admite que não suportava assistir as gravações e precisou de 4 anos para amadurecer e aceitar aqueles” personagens” para se isentar e editar o vídeo.

Nada contra o produtor e com o filme. A idéia é bem interessante, porém envolve um assunto polêmico e de raiz ideológica e como conseqüência o filme trás um perigoso efeito, ele nos leva a erro.

É muito interessante como o contexto pode influenciar completamente nossa percepção da realidade. Os telespectadores já vão para o filme levando todo um preconceito em volta dessas pessoas. Algo equivocado porém natural quando escutamos informações distorcidas sobre o que não temos contato. E durante o filme tudo aquilo em que o público desconfiava naquele momento se torna prova, como se fosse tese de um estudo sociológico.

O filme:
Frases relevantes para a compreensão do filme e dos personagens:
1-“... é muito bom, tenho um espaço grande o suficiente para que não tenha muito contato com meus funcionários, “não tem aquela bateção de panela, falação, me da mais privacidade”...

2-“... as pessoas te vêm de uma maneira diferente...”; “ ...da uma sensação de poder...” “ ...é como se você estivesse por cima, você vê tudo que acontece...”,” ...não tem ninguém acima de você para te incomodar...”. Uma senhora diz: “estou mais próximo de Deus aqui de cima...”

3- Uma entrevistada, mãe de um filho adolescente, chamou bastante atenção do público. Ela era extremamente deslumbrada pela vida, por morar em cobertura e na beleza do Rio apesar da violência próxima a ela. Determinado momento ela fala “... é impressionante! Mesmo longe a gente participa de tudo aqui de cima. Convivemos com assassinatos no morro Dona Marta sendo que pessoas que estão nos andares de baixo ou até mesmo mais próximas de lá nem percebe o que aconteceu! E a gente vê e” participa”de tudo daqui, mesmo não estando lá. Inclusive é muito bonito as balas cruzando o ar, são raios colorindo a noite, mas é uma guerra que acontece e com pessoas morrendo, mas a gente já acostumou a isso aqui...”
E outras frases do gênero.

Digamos que essas pessoas sejam todos os adjetivos que usei no inicio do texto. Ainda sim isso não significa nada pois existem pessoas desse tipo em qualquer classe. O problema, é que o filme foi feito para se descobrir como são e o que pensam os “moradores de coberturas”ou seja, espera-se que esses personagens ali falem em nome de todos os outros. Sem isso o filme perde o sentido pois não leva a concluir nada. Ta certo que qualquer pessoa crítica, inclusive, percebe que se trata apenas de entrevistas com pessoas de ponto de vistas malucos. Mas as pessoa em geral e a própria lógica do filme levam a selar o estereótipo que são esses adjetivos.

Mas como o filme nos leva a erro?

Quando a mulher faz o comentário em “1” nota-se um mal-estar no público. Mas veja, qual o problema de se sentir bem com a privacidade de não precisar cruzar o tempo todo com funcionários e ainda mais na sua casa? Ninguém pensa nisso porque normalmente não temos essa opção, pois a maioria das casas não oferece esse luxo, mas se você tem, por que não usufruir? Silêncio, liberdade de andar despenteado, de cueca, pelado, etc. Isso não significa destratar ou ignorar um funcionário mas sim desfrutar da privacidade que sua casa proporciona.

Em”2” passa a sensação que todos ali, pelo material, se sentiam superior em qualquer aspecto aos outros. Isso pra mim é um absurdo sem tamanho. Ninguém tem o direito de concluir isso de alguém por uma frase ou opinião em determinado momento ou contexto. É ate engraçado, no filme aparece o morro Dona Marta, onde se tem uma vista muitíssimo maior que a da cobertura, e fiquei imaginando se entrevistasse uma moradora lá do alto o que ela falaria. Provavelmente diria as mesmas coisas, sensação de poder, estar por cima etc, e todo mundo ia achar lindo. Se alguém escala uma montanha abre os braços e grita “ eu sou Deus, o mundo é meu!”isso pode! Mas quem mora em cobertura falar que não tem ninguém em cima para incomodar isso já soa a prepotência!

É pra rir, tudo que foi falado no filme se fosse dito por pessoas comuns ninguém questionaria nada mas no caso especifico virou ofensa grave. O curioso é que nada de anormal foi dito mas sim ,e pra mim foi a essência do filme, é que independente da classe social as pessoas querem a mesma coisa. Querem, tranqüilidade, segurança, espaço grande para morar e uma vista bonita que possa contemplar com privacidade.Um desejo comum mas pela perspectiva do filme dava sensação de fútil e egoísta.

Interessante refletir é o preço que eles pagam por um conforto que na prática pouco mudam para suas vidas. Qualquer um pode viver saudável e feliz, comendo arroz e feijão e morando num Ap no subúrbio. Mas para usufruir de um conforto a mais, almoçar truta e jantar salmão morando numa cobertura, de frente pro mar, há um preço exorbitante e desproporcional a se pagar. Para se pensar quem às vezes é o explorado nas relações sociais.

Outra coisa é que não se pode cobrar dessas pessoas uma opinião sobre o contexto político e social em que estão inseridos. Ninguém é especialista, ali todos têm seus trabalhos e afazeres e a opinião expressada provavelmente será vaga e não conclusiva. Até por que, existe a pressão de se falar pra uma câmera dificultando o raciocínio. Tomar esses depoimentos como verdades absolutas seria ,obviamente, uma covardia e mais ainda concluir, através dessas opiniões, o pensamento de uma classe. Esse é um grande mal da humanidade, concluir coisas sem o conhecimento e real intenção do outro.

Da mulher deslumbrada com a beleza das balas é bem compreensível também, a gente se adapta as situações, mendigos na rua, balas perdidas e em casos extremos até corpos amontoados na rua no caso de guerras e desastres naturais. Não adianta sofrer, você precisa continuar sua vida mesmo nesses contextos. O que ela falou é verdade, ela convive há anos diariamente com aquela situação e nada pode fazer para mudar a não ser continuar pagando seus impostos. O que resta mesmo é contemplar a trajetória da bala iluminando a noite carioca.

Mas esse filme foi ótimo, me fez refletir muitas coisas. Uma delas é como as pessoas bebem do próprio veneno. Durante a sessão, as pessoas menosprezavam o comportamento soberbo dos personagens, porém não percebiam que provavam do mesmo mal que os acusavam. O comportamento do telespectador com risadas e gestos, mostrava precisamente, de que eles, telespectadores, se sentiam superiores frente à “ignorância” dos personagens. Outra coisa é, como é importante, às vezes, ver o mundo e as coisas com a mente de uma criança sem maldade e preconceitos. A falta disso que faz a gente cegar perante verdades e belezas cotidianas da vida.

4 comentários:

FAU-UnB disse...

Raoni o único meio de falar com você foi por aqui!
Eu não sou membor da comunidade "Concurso - Caixa 2010", mas já andei dando uma olhada e gostaria que vcê me dissesse se tenho alguma chance com 38 pontos em brasília!
Agradeço desde já,
Grazielli
(não tinha seu e-mail, foi pelo blog mesmo)

Raoni disse...

hehehe, ok, não é um comentário sobre o texto mas pelo menos escreveu algo, rsrsr

è uma nota muito boa,acredito que vc fique 70°+-

FAU-UnB disse...

Então, não é sobre o texto, mas tá valendo :]
(eu nunca vi o filme, entao nem tem o que falar, rs)
Obrigada!
Ah, espero muuito que eu passe e seja chamada!\o/
vlw pela atenção
e prometo não fazer mais isso. rs!
Grazielli ;*

Stéfanno Mendes Lima disse...

Gostei muito do teu ponto de vista, inclusive, vale lembrar, que num mundo de meios de sobrevivência escassos e mal distribuídos, os ricos só ocupam tal posição graças aos pobres que existem para contrabalancear suas riquezas, desta forma, como esperar pontos de vista que destoem dos apresentados?
Gostaria de ver este filme.