domingo, 26 de setembro de 2010

Questionamentos sobre o liberalismo

Sou adepto do livre mercado e acredito que ele seja o melhor caminho para o desenvolvimento de uma sociedade. Mas para um bom funcionamento, na minha opinião, é necessário algum tipo de regulação. Vou colocar algumas situações onde deveriam existir interferências do Estado para que o mercado agisse com menor falha.

Em uma relação de troca voluntária entre empregador e empregado, se o empregado aceita a proposta contratual quer dizer que ela necessariamente foi vantajosa para ele( caso contrário ele não teria aceito). Existe a idéia de que se a pessoa aceita trabalhar por um salário baixo é por que para ela é melhor ganhar pouco do que ficar desempregada, porém há situações que mesmo a escolha, que pareça melhor, não pode ser concretizada pois será totalmente desfavorável para uma das partes.

Seria semelhante aquele filme “Jogos Mortais”, em que o cidadão é obrigado a serrar a própria perna já que a morte parecia pior opção, porém na vida real existem outras alternativas. Em situações extremas tem que haver um mediador. Se o filho de um trabalhador está passando fome a pessoa não pensará duas vezes em trabalhar até por um prato de comida a mais! Também aceitaria trabalhar em locais de risco iminentes de acidentes.

Grande parte dos trabalhadores ate sabem o risco de doenças e acidentes que correm mas outros nem isso conhecem!O fato é que eles não têm opções sendo assim não existe liberdade de escolha, liberdade essa que é condição para a existência de um livre mercado. Por isso onde não há opções de escolhas ou elas são precárias deve existir uma regulação maior.

Se rodar o Brasil você verá que o ambiente é propício ao negócio, ninguém interfere no contrato entre o empregador e o empregado porém o contratado aceita qualquer quantia que de o suficiente para comer. Isso não pode ser justo! Ao menos no Brasil no momento atual.
A vida não pode se resumir a apenas trabalhar e comer, pois eles são apenas um meio para atingir um fim que é nosso bem estar. Se um sujeito não tem opção senão aceitar um salário baixo e ainda correndo risco, a situação se inverte pois o homem passa a ser um meio, que é dar sua força e integridade, para um fim que é a produção de algo.

Veja que não há equilíbrio, de um lado a sociedade e o contratante ganham pois há valor produzido que podem ser trocado entre eles. Mas do outro há o individuo que foi o meio pra que isso acontecesse porém ele não obteve ao final um valor extra, relevante, para si. Relevante seria algo acima do mínimo existencial que é comer e poder ter onde dormir. Se o retorno sobre um trabalho não te da condições acima de um mínimo existencial esse trabalho não deveria existir.

Muitos para justificar usam do argumento que esses conceitos, inclusive o de justiça, são relativos e varia de individuo para individuo. Esse argumento, quando usado, apesar de verdade no fundo é maldoso. Pois é claro que pra analisar se o retorno sobre um trabalho é justo ou está acima de um mínimo existencial se leva em conta o contexto e a proporcionalidade.

Numa realidade em que se dorme ao relento da caatinga, qualquer pano velho e sombra de uma arvore é um luxo! Já num contexto de fartura e bonança o mínimo aceitável seria, além de alimentação e moradia decente, usufruir de alguns produtos mais supérfluos.

Há quem diga que só através do livre mercado é possível chegar a ambientes de fartura. A lógica é que ele se auto regula e a interação entre agentes econômicos que buscam seus próprios interesses, com o tempo seleciona e aloca os recursos de forma eficiente. É a lei da oferta e demanda, se por ex, um trabalho não é bem remunerado você o recusa e procura outro melhor. Se um produto é caro num lugar, você sai e compra no concorrente mais barato. Esse confronto, com o tempo, gera um equilíbrio. Porém a prática é bem mais complexa e é preciso levar em conta fatores como "a que tempo e a que preço" esse equilíbrio se daria.

Gerações presentes não podem se doar buscando satisfazer gerações futuras! Isso foge da lógica de defesa dos próprios interesses. Com o tempo até surgirá concorrentes e a oferta de mão de obra cairá valorizando aquele mesmo trabalho que, no passado, te pagava um prato de comida. Porém quem colherá esse fruto será as gerações futuras. É muita ingenuidade ou desonestidade achar que alguém se sentiria satisfeito com isso. Por isso, mesmo que esse equilíbrio demore um pouco mais, é preciso, nos lugares onde o livre mercado não é eficiente, uma regulação maior proporcionando uma base e uma proteção para o lado mais fraco do contrato.

Outra ingenuidade é pensar que consumidores deixariam de comprar de empresas que não tratassem bem seus funcionários ou que fossem demasiadamente poluidoras. Esse motivo seria suficiente para escolherem a concorrente e forçando assim a empresa a mudar sua conduta. Esse povo vive num conto de fadas, só pode! As ações das empresas são realmente um reflexo das necessidades dos consumidores. Entretanto, o que o consumidor deseja é o melhor produto,o mais barato e no menor tempo possível! A última coisa em que ele vai se preocupar é como aquele produto foi feito e em quais condições.

O que se vê, na realidade, é o inverso. As empresas são obrigadas a pressionarem o máximo sua capacidade e a de seus funcionários para atender essa demanda. Se elas não fazem estão fadadas a falência. O consumidor não quer saber se o funcionário está a dez horas sentado no banco do caixa! Se ele não for bem atendido e rápido ele vai dar preferência a quem o faça. Se pudesse usar trabalho escravo pra se vender o um produto na metade do preço o consumidor não pensaria duas vezes em comprar nesse lugar.

A moral disso é que deixando o mercado totalmente livre, nos tornamos escravos dos desejos dos consumidores, ou seja, de nós mesmos! Por isso as coisas tem de ser ponderadas. Se você tem um sindicato que defenda e represente os interesses do funcionário. Essa situação, de pessoas trabalhando dez horas seguidas e até usando fraldas não vai acontecer. Assim você terá consumidores esperando um pouco mais na fila e pagando produtos até um pouco mais caros em contrapartida haverá funcionários recebendo um pouco mais e trabalhando um pouco menos. Obviamente uma situação muito mais justa.

O mercado não é perfeito pois pessoas não são perfeitas. Seus mecanismos devem ser levado em conta mas de maneira regulada. Por isso o Estado deve saber dosá-lo a cada período para que a lógica de mercado funcione eficientemente e assim tapando as falhas inerentes.

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